29 novembro, 2007

The Brazilian National Anthem

O cansaço da monografia faz qualquer um perder tempo com as bizarrices da internet. Resolvir testar o Systran, que dizem ser o melhor tradutor on-line, com a (mais simples impossível) letra do nosso hino nacional. Deixei sem traduzir as palavras que o tradutor desconheceu. A melhor tradução de todas foi green-parrot para verde-louro! Sem comentários.

They had heard of the Ipiranga the placid edges
Of a heroic people the thundering shout,
and the sun of the Freedom, in fúlgidos rays,
Shone in the sky of the Native land in this instant.

If the distrain of this equality
We obtain to conquer with strong arm,
In your seio, ó Freedom,
The proper death defies our chest!

Loved Native
Ó,Idolatrada,
It saves! It saves!

Brazil, an intense dream, a vivid ray,
Of love and hope to the land goes down,
If in your formoso sky, limpid risonho and,
the image of the Cruise shines.

Giant for the proper nature,
You are beautiful, you are strong, fearless colossus,
and your future espelha this largeness.

Adored land
Among others a thousand
You, Brazil are,
Loved Native Ó!

Of the children of this ground
You are gentile mother,
Native loved,
Brazil!


Lying perpetual in splendid cradle,
To the sound of the sea and the light of the deep sky,
Fulguras, ó Brazil, florão of America,
Illuminated to the sun of the New World!

Of what the garrida land more
Your risonhos, pretty fields have more flowers,
Our forests have more life,
Our life in your seio more loves.

Loved Native Ó,
Idolatrada,
It saves! It saves!

Brazil, of perpetual love is symbol
The lábaro that exhibits covered with star,
And says the green-parrot of this flammule
- Peace in the future and glory in the past.

But if you raise of clava it to justice strong,
You will see that a son yours does not run away to the fight,
Nor fear, adores who you, the proper death.

Adored land
Among others a thousand
You, Brazil are,
Loved Native Ó!

Of the children of this ground
You are gentile mother,
Native loved,
Brazil!

27 novembro, 2007

Máquina de café

Máquina de café do Sulcar.
Um real o capuccino.
Vai no caixa, troca nota.
Caminha até a máquina,
Aperta botão açucar
Aperta botão capuccino
Começa a sair o troço
Você percebe que esqueceu de colocar o copo antes de apertar os botões.
Consegue salvar os últimos 20ml.
Toma.
Vai no caixa.
Mais uma moeda de 1.
Volta pra máquina
COLOCA O COPO NO LUGAR
Aperta açucar.
Aperta açucar de novo para dose extra.
Aperta capuccino.
Começa a jorrar aquela delícia.
Você fica na porta do posto, bicando o café.
É um prazer indescritível
Vem da máquina
Na medida exata
Açúcar, café e leite.
Misturado mecanicamente
Lembraram até da espuma no final
O mais perfeito de todos os cafés
Calculado, medido para ser exato.
Sem o amor da mamãe ter preparado
Sem o tempero carinhoso da vovó
Sem porra nenhuma.

É, tô saindo da engenharia em boa hora!

20 outubro, 2007

Arte Sabotagem (AS)

por Hakim Bey

A arte-sabotagem aspira ser perfeitamente exemplar, mas, ao mesmo tempo, retém um elemento de opacidade – não propaganda, mas choque estético – aterradoramente direta, mas ainda assim sutilmente transversal – ação-como-metáfora. A Arte-Sabotagem é o lado negro do Terrorismo Poético – criação-através-da-destruição -, mas não pode servir a nenhum partido ou niilismo, nem mesmo à própria arte. Assim como a destruição da ilusão eleva a consciência, a demolição da praga estética adoça o ar no mundo do discurso, do Outro. A Arte-Sabotagem serve apenas à percepção, atenção, consciência. A AS vai além da paranóia, além de desconstrução – a crítica definitiva – ataque físico à arte ofensiva – cruzada estética. O menor indício de um egotismo mesquinho ou mesmo de um gosto pessoal estraga sua pureza & vicia sua força. A AS não pode nunca procurar o poder – apenas renunciar a ele. Obras de arte individuais (mesmo as piores) são amplamente irrelevantes – a AS procura causar danos às instituições que usam a arte para diminuir a consciência & lucrar com a ilusão. Este ou aquele poeta ou pintor pode ser condenado por falta de visão – mas Idéias malignas podem ser atacadas através dos artefatos que eles criam. O MUZAK15 foi feito para hipnotizar & controlar – seu mecanismo pode ser destruído. Queima pública de livros – porque caipiras reacionários & funcionários das alfândegas devem monopolizar essa arma? Livros sobre crianças possuídas pelo demônio; a lista de best sellers do The New York Times; tratados feministas contra a pornografia; livros escolares (especialmente de estudos Sociais, Educação Moral e Cívica & Saúde); pilhas do New York Post, Village Voice & outros jornais de supermercado; uma compilação de editoras cristãs; alguns romances populares – uma atmosfera festiva, garrafas de vinho & baseados numa tarde clara de outono. Jogar dinheiro para o alto no meio da bolsa de valores seria um Terrorismo Poético bastante razoável – mas destruir o dinheiro seria uma excelente Arte-Sabotagem. Interferir numa transmissão de TV & colocar no ar alguns minutos de arte incendiária caótica seria uma grande feito de TP – mas simplesmente explodir a torre de transmissão seria uma ato de Arte-Sabotagem perfeitamente adequado. Se certas galerias & museus merecem, de vez em quando, receber uma tijolada pela Janela – não a destruição, mas sim uma sacudida na sua complacência -, então o que dizer dos BANCOS? Galerias transformam beleza em mercadoria, mas bancos transmutam a Imaginação em vezes & dívida. O mundo não ganharia um pouco mais de beleza com cada banco que tremesse... ou caísse? Mas como? A Arte-Sabotagem provavelmente deve ficar longe da política (é tão chata!) – mas não dos bancos. Não faça piquetes – vandalize. Não proteste – desfigure. Quando feiúra, design podre & desperdícios estúpidos estiverem sendo impostos a você, transforme-se num luddita16, jogue o sapato no mecanismo, retalie. Esmague os símbolos do Império, mas não o faça em nome de nada que não seja a busca do coração pela graça.

01 outubro, 2007

Os Vândalos

por João Bernardo

A velha universidade pública ficou condenada a partir do momento em que foi convertida de instituição de elite em instituição de massas, quero dizer, quando deixou de ser um clube fechado, destinado exclusivamente a educar futuros membros das classes dominantes, e passou a ser orientada para formar força de trabalho qualificada, isto na melhor das hipóteses, porque às vezes os alunos nem sequer saem com qualificações apreciáveis. Sempre que em perguntas durante as aulas ou em debates no final de palestras a questão me é colocada, eu respondo da mesma maneira:

Que sentido tem evocar a universidade pública quando departamentos ou linhas de pesquisa ou professores individualmente recebem financiamentos, explícitos ou discretos, de grandes empresas ou de organizações não-governamentais controladas por grandes empresas, e quando esta prática se torna cada vez mais frequente? Que sentido tem evocar a universidade pública quando os serviços nos campi são privatizados? Que sentido tem evocar a universidade pública quando na esquina do corredor ou detrás da árvore surge um desses mercenários de óculos espelhados e bíceps grandiosos que costumam ornamentar os shopping centers? Hoje as universidades públicas só interessam aos professores que nelas leccionam, porque apesar de tudo detêm ainda um maior controlo sobre o seu tempo de trabalho e sobre o conteúdo deste trabalho do que deteriam nas instituições privadas. Mas como esses professores são os primeiros a acotovelarem-se uns aos outros quando se trata de obter qualquer financiamento privado, eles mesmos estão a cavar debaixo dos pés a cova em que dizem não querer cair.

Há anos atrás, quando começou no Brasil a grande vaga de privatizações, eu escrevia e dizia, apesar de isto escandalizar aquele tipo de esquerda que só se sente confortável a repetir lugares-comuns, que as empresas públicas estavam já privatizadas desde há muito tempo, porque tanto na forma como operavam como nas hierarquias internas, nos processos de trabalho e nas prioridades que definiam para as linhas de produção elas em nada se distinguiam das empresas privadas. O que então se passou foi que empresas circunscritas ao âmbito de um capitalismo nacional se transferiram para o âmbito transnacional. Não se tratou de privatização mas de transnacionalização, inevitável numa fase em que a concentração do capital atingira a globalização.

O mesmo ocorre com as universidades públicas formadoras de força de trabalho. As colaborações internacionais multiplicaram-se, as perspectivas de análise académica deixaram de se referir geograficamente a centros ou a periferias e tornaram-se globais, e os professores e respectivos orientandos são embalados e expedidos para congressos e estágios por aqui e por acolá. A universidade pública pode manter-se pública no nome, mas ela é cada vez mais privada na origem dos seus financiamentos, na determinação dos seus objectivos e, em traços gerais, no sistema do seu funcionamento.

Tragicamente, no Brasil são numerosos os professores e alunos que vêem com alegria esta evolução. Ao contrário do que sucede na Europa, no Brasil a universidade é ainda considerada como um veículo de promoção social, e a este respeito não me resta outro recurso senão o de recorrer à estafada imagem de subir uma escada que desce, porque os pais fazem os maiores sacrifícios para enviar para a universidade filhos que no final do curso acabarão por ser trabalhadores assalariados com um estatuto social equivalente, em termos relativos, àquele que os progenitores haviam tido. Num pequeno número de casos, porém, o estudante consegue progredir na hierarquia dos gestores, tanto em empresas privadas como na vida política, e inserir-se entre os capitalistas. Estas ascensões de uns poucos servem de isco para todos os demais, exactamente do mesmo modo que as pessoas jogam nas múltiplas lotarias.

O que poderia espantar é que apesar disto existam estudantes que protestem contra as variadas modalidades de privatização da universidade pública, que protestem contra a contratação de companhias de segurança privadas para actuar nos campi, contra a entrega de restaurantes universitários a empresas de fast-food ou contra a presença obsessiva dos bancos e das suas imagens nas instalações universitárias. Ainda recentemente, no dia 15 de Março, cerca de cinquenta estudantes do campus de Araraquara da Unesp participaram numa festa convocada para debater a reforma universitária. Na sequência do acto de protesto foram pintados bancos, bancos de sentar, por um lado enquanto metáfora de outros bancos, os de colocar dinheiro, por outro lado por ostentarem aquelas inscrições publicitárias que cada vez mais assinalam a penetração privada nos espaços considerados públicos, como bandeiras que os exércitos invasores hasteiam à medida que vão conquistando território. Menos amantes de alegorias, alguns estudantes decidiram atingir as instituições financeiras propriamente ditas e pintaram as caixas electrónicas. Os intuitos ficaram claros, mas a mim, pessoalmente, tudo somado parece-me pouco.

Apesar disso, esta pequena acção provocou grande celeuma, o que levanta um interessante problema de assimetrias. Empresas privadas têm o direito, legalmente confirmado, de colocar no interior dos campi as suas mensagens ideológicas e os seus símbolos, mas não é reconhecido aos estudantes o direito de colocar os deles. Trata-se de um espectáculo em que só é legítimo aplaudir e em que é proibido vaiar. «Beba isto» ou «Compre aquilo» são textos que as autoridades detentoras da sapiência académica consideram dignos de estar expostos a todos os olhos, mas «Só a luta muda a vida», por exemplo, uma das frases que os estudantes de Araraquara inscreveram nos assentos, se bem que me pareça mais instrutiva do que um painel publicitário, é pretexto de repressão.

A Unesp é o que é e, como sucede em instituições deste tipo, reprimir é mais fácil do que resolver as coisas de outra maneira. Assim, foi aberta uma sindicância e estão ameaçados de expulsão quatro estudantes, Juninho, do curso de Letras, e Júlia, Pedro e Thiago, do curso de Ciências Sociais.

Para me exprimir com sinceridade, receio que o facto de nos últimos tempos as autoridades da Unesp terem recorrido à repressão sempre que os alunos demonstram alguma imaginação nas formas de protesto seja revelador de uma certa insegurança quanto à qualidade do ensino. Os alunos imaginosos são um perigo, porque o que sucederá no dia funesto em que eles colocarem a imaginação em funcionamento dentro das salas de aula e começarem a levantar questões a que os professores não saibam dar resposta?

Não menos elucidativo é o facto de logo no dia seguinte ao do acto alguns estudantes terem manifestado junto à directoria a sua indignação com o protesto dos colegas. Há não muito tempo atrás, o aluno que denunciava outro tinha um nome. Mas os delatores sentiram-se prejudicados na sua ânsia ingénua de promoção social, sentiram-se agredidos ao verem pintalgadas ou inutilizadas aquelas caixas electrónicas de onde eles quase não têm dinheiro para retirar, sentiram-se insultados nas inscrições dirigidas contra aquelas empresas onde eles um dia, se tiverem sorte, irão ser trabalhadores precários. Mais instruído ainda fico ao observar que outros delatores, ou talvez os mesmos, não se satisfazendo com processos punitivos académicos, foram transmitir a sua repulsa a uma dessas celebridades fictícias da televisão, um desses personagens construídos pela revista Caras e pelas suas similares, um apresentador de programas ou comentador de plantão. Então não é lógico? Os defensores da privatização acelerada da universidade de massas encontraram voz autorizada num representante daquela que é por excelência, nos nossos dias, a cultura kitsch privada.

Estive a ver os comentários inseridos por leitores em sites da Mídia Independente a respeito do acto de protesto realizado na Unesp de Araraquara, e a acusação de vandalismo é a que mais frequentemente ocorre, até da parte de pessoas que se posicionam contra a privatização da universidade pública. Sabem qual é a origem do termo vandalismo? Todos julgam saber, claro, vem de Vândalos, um povo bárbaro que entrou no Império Romano e que partiu tudo o que encontrou à frente. Mas pensem três vezes, ou mesmo duas. Outros povos havia, daqueles que os historiadores classificaram como bárbaros, e no entanto ninguém fala da ostrogodização dos orelhões, da visigotização dos elevadores nem da burgundização dos ônibus.

Os povos ditos bárbaros, que se haviam estabelecido nos limiares do Império Romano e serviam como mercenários dos imperadores, foram convidados a adentrar as fronteiras durante as grandes lutas sociais que acabaram por ditar o fim do império. Os escravos revoltavam-se nos latifúndios, pegavam em armas, desencadeavam vastíssimas operações militares, a que as autoridades urbanas não tinham já força para responder. A aristocracia escravista convidou então os povos bárbaros a auxiliarem-na na luta contra os escravos, e foi assim que eles se fixaram no interior do império, como mercenários dos ricos. Para a velha aristocracia imperial o resultado foi duplamente trágico. Por um lado, porque não conseguiu debelar a revolta dos escravos, que conquistaram um efectivo grau de liberdade e se converteram em servos. Por outro lado, porque os mercenários bárbaros, vendo de perto a debilidade dos latifundiários, se substituíram a eles. Acabou assim o império e o escravismo, e começou o regime senhorial assente na exploração de servos.

Nem todos os povos ditos bárbaros, porém, apoiaram os latifundiários escravocratas. Na península ibérica, por exemplo, enquanto os Visigodos entraram ao serviço da aristocracia, os Suevos colocaram-se ao lado dos escravos amotinados. Mas tratava-se de um povo pouco numeroso, que acabou confinado no noroeste da península, no que são hoje a Galiza espanhola e o Minho português. Outro povo houve que se colocou ao serviço dos escravos revoltados, um povo muito mais numeroso do que os Suevos e cuja área de operações foi muitíssimo mais ampla – os Vândalos. É por isso que os Vândalos foram vândalos, porque a aristocracia latifundiária considerava como inteiramente justas e portanto como indignas de menção as atrocidades e as destruições que eram praticadas por sua ordem, mas considerava como horrendas aquelas que ela mesma sofria. Percorrendo o império de leste a oeste no que é hoje a Europa e passando depois para o norte da África, os Vândalos ajudaram os escravos a matar os latifundiários e os seus servidores, a saquear os palácios, a destruir os símbolos arquitectónicos e urbanísticos do poder imperial, a pilhar a fortuna dos ricos.

Vândalos, os quatro estudantes da Unesp de Araraquara? O Pedro, a Júlia, o Thiago e o Juninho, vândalos? Estou a escrever estas linhas e a rir-me, a imaginar o que os Vândalos, os verdadeiros, os de há muitos séculos atrás, fariam naquele campus, o que eles fariam das caixas electrónicas, das sindicâncias e dos sindicantes! E agora estou a rir-me mais ainda, a prever o que outros vândalos, não menos verdadeiros, farão daqui a algumas décadas, vindos dos subúrbios de uma sociedade toda ela privatizada, terceirizada, precarizada, aquela mesma sociedade para a qual as autoridades da Unesp dão a sua microscópica contribuição.

João Bernardo é escritor e professor. joaobernardo_jb@msn.com

11 junho, 2007

A Delinqüência Acadêmica

A crise da Universidade e da Educação neste país foi intensamente discutida no 1º Seminário de Educação Brasileira, realizado em Campinas. Porém, no meio de muita discussão teórica, houve um momento em que grande parte do público presente explodiu em aplausos. Foi quando encerou sua comunicação o professor Maurício Tragtenberg, da Faculdade de Educação da Unicamp e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV). Maurício Tragtenberg, com sua longa experiência, rasgou o verbo e com grande coragem deu um retrato fiel e ao mesmo tempo sombrio da situação crítica da Universidade brasileira. Aqui, ele repete a dose.

Por Laerte Ziggiati

Folhetim: Professor Maurício, que universidade é esta?

Maurício Tragtenberg: A universidade está em crise e isso ocorre porque a sociedade está em crise. O tema é amplo, abrangendo a relação entre dominação e saber, a relação entre o intelectual e universidade como instituição ligada à dominação, ou seja, a universidade anti-povo. A universidade não é uma instituição neutra, é uma instituição de classe onde as contradições de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma ideologia, um saber neutro, cientifico, quer dizer, a neutralidade cultural e o mito de um saber "objetivo" acima das contradições sociais. Isso se acirrou a partir de 1964, quando a Universidade foi praticamente apartada da realidade, se encastelou. Nesse momento surgiu a figura do intelectual burocrata, do funcionário intelectual, que mais reproduz do que produz conhecimento próprio.

Folhetim: Aparentemente ela distribui o saber "objetivo". Mas qual deveria ser a função real da universidade?

Maurício: Hoje a universidade forma a mão-de-obra destinada a manter nas fábricas o despotismo do capital. Nos institutos de pesquisa cria aqueles que deformam dados econômicos em detrimento dos assalariados. Nas escolas de Direito forma os aplicadores de legislação de exceção. Nas escolas de Medicina aqueles que irão convertê-la numa medicina do capital ou utiliza-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de um "complô de belas almas" recheadas de títulos acadêmicos, de doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produção de um serviço do saber.

Folhetim: Existe gente na Universidade preocupada com a reforma universitária. Mesmo assim...

Maurício: A coisa é feita às cegas. Existe a figura do planejador tecnocrata formado pelas faculdades de educação a quem importa discutir os meios sem discutir os fins da educação, confeccionar reformas educacionais que são verdadeiras "restaurações". Formam o professor-policial, aquele que supervaloriza o sistema de exames, a avaliação rígida do aluno, seu conformismo ante o saber professoral. A pretensa criação do conhecimento é substituída pelo controle sobre o parco conhecimento produzido pelas nossas universidades. O controle de meio se transforma em fim e o campus universitário cada vez mais parece um universo concentracionário que reúne aqueles que se originam das classes alta e média, professores e alunos, "herdeiros" potenciais do poder através de um saber minguado atestado por um diploma.

Folhetim: Qual o mecanismo através do qual a Universidade mantém sua característica classista?

Maurício: A Universidade classista se mantém através do poder exercido pela seleção dos estudantes e pelos mecanismos de nomeação para os professores. Na universidade mandarinal do século passado o professor cumpria a função de "cão de guarda" do sistema, ou seja, como produtor e reprodutor da ideologia dominante, chefe da disciplina do estudantado. Cabia à sua função professoral, acima de tudo, inculcar as normas de passividade, subserviência e docilidade através da repressão pedagógica. A transformação do professor "cão de guarda" em "cão pastor" acompanha a passagem da universidade pretensamente humanística e mandarinesca à universidade tecnocrática, onde os critérios lucrativos da empresa privada funcionarão para a formação das fornadas de "colarinhos brancos" rumo as usinas, escritórios e dependências ministeriais. E o mito da assessoria, do posto publico que mobiliza o diplomado universitário.

Folhetim: Como o senhor explica o fato de que a Universidade também mantém alguns cursos críticos?

Maurício: Os "cursos críticos" desempenham a função de um tranqüilizante no meio universitário. Essa apropriação da crítica pelo mandarinato universitário, mantido o sistema de exames, a conformidade ao programa e o controle da docilidade do estudante como alvos básicos, constitui-se numa farsa, numa fábrica de boa consciência e delinqüência acadêmica, aqueles que trocam o poder da razão pela razão do poder. Por isso é necessário realizar a crítica da "crítica", destruir a apropriação da crítica pelo mandarinato universitário. Não se trata de discutir a apropriação burguesa do saber ou não-burguesa do saber, e sim a destruição do "saber institucionalizado", do "saber burocratizado" como único "legitimo".

Folhetim: A função principal da Universidade seria então a de reproduzir a ideologia do sistema da dominação?

Maurício: A Universidade reproduz o modo de produção capitalista dominante não apenas pela ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma. Por exemplo, o sistema de exames, esse batismo burocrático do saber. O exame é a parte visível da seleção. A parte invisível é a entrevista, que cumpre as mesmas funções de "exclusão" que possui a empresa em relação ao futuro empregado. Informalmente, docilmente, ela "exclui" o candidato. Para o professor há o currículo visível tipo publicações, conferências e atividade didática, e há o currículo invisível, esse de posse da chamada "informação", que possui espaço na Universidade, onde o destino está em aberto e tudo é possível acontecer. Há os "ratos" das salas privadas, os "ratos" da Reitoria. É através da nomeação, da cooptação dos mais conformistas, nem sempre os mais produtivos, que a burocracia universitária reproduz o canil dos professores.

Folhetim: O que é essa "delinqüência acadêmica"?

Maurício: Essa "delinqüência acadêmica" aparece em nossa época longe de seguir os ditames de Kant ouse conhecer. Se os estudantes quiserem conhecer os espíritos audazes da nossa época, é fora da Universidade que irão encontra-los. A bem da verdade, raramente a audácia caracterizou a profissão acadêmica. É a razão pela qual os filósofos da revolução francesa se autodenominavam de intelectuais e não de acadêmicos. Isso ocorria porque na Universidade havia hostilidade ao pensamento critico avançado. O projeto de Jefferson para a Universidade de Virginia, concebida para a produção de um pensamento independente da Igreja e do Estado de caráter critico, foi substituído por uma universidade que mascarava a usurpação e monopólio da riqueza, de poder. Isso levou os estudantes da época a realizarem programas extras curriculares onde Emerson se fazia ouvir, já que o obscurantismo da época impedia sua entrada nos prédios universitários.

Folhetim: Além de pouco audaz parece que a "delinqüência acadêmica" se preocupa mais com o titulo do que com o ensino.

Maurício: É que a política das "panelas" universitárias de corredor e a publicação a qualquer preço e um texto qualquer se constituem o metro para medir o sucesso universitário. Nesse universo não cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem serve e para que serve?

Folhetim: A quem e para quê?

Maurício: Em nome do "atendimento à comunidade" e do "serviço público", a universidade tende cada vez mais a se adaptar a qualquer pesquisa a serviço dos interesses econômicos hegemônicos. Nesse passo a universidade brasileira oferecerá disciplinas como as existentes na Metrópole: cursos de escotismo, defesa contra incêndios, economia doméstica e datilografia a nível de secretariado... (risos) pois já existe isso em Cornell, Wisconsin e outros estabelecimentos legitimados. A universidade brasileira se prepara para ser uma "multiversidade", isto é, ensina tudo aquilo que o aluno possa pagar. A universidade vista como prestadora de serviços corre o risco de enquadrar-se numa "agência de Poder", especialmente após 68, com coisas do tipo Operação Rondon. O assistencialismo universitário não resolve o problema da maioria da população brasileira: o problema da terra. Uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem é apto a pagá-los perde o senso da discrição ética e da finalidade social de sua produção. E uma "multiversidade" que se vende no mercado ao primeiro comprador, sem averiguar o fim da encomenda. Isso tudo encoberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento e seu produto. Já na década de 30, Frederic Lilge, em seu livro "The Abuse of Learning: The Failure of German University" acusava a tradição universitária alemã da neutralidade acadêmica de permitir aos universitários alemães a felicidade de um emprego permanente, escondendo a si próprios a futilidade de suas vidas e seu trabalho.

Folhetim: No 1º Seminário de Educação Brasileira a situação parecia ser outra. Havia bastante gente preocupada com a responsabilidade social do educador.

Maurício: Realmente havia. Mas eu não me iludo com congressos. A maioria dos congressos acadêmicos universitários serve de "mercado humano" onde entra contato pessoas e cargos acadêmicos a serem preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel onde se trocam informações sobre inovações técnicas. Revê-se velhos amigos e se estabelecem contatos comerciais. Estritamente falando, o mundo da realidade concreta é muito generoso com o acadêmico, pois o titulo torna-se o passaporte que permite o ingresso nos escalões superiores da sociedade: a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal. O problema da responsabilidade social é escamoteado. A ideologia do acadêmico é não ter nenhuma ideologia, ele faz fé de apolítico, servindo assim à política do poder. A filosofia racionalista do século 18 legou uma característica do verdadeiro conhecimento: o exercício da cidadania implicava no soberano direito de crítica à autoridade, aos privilégios e tradições. O serviço público prestado por esses filósofos não consistia na aceitação indiscriminada de qualquer projeto, fosse destinado à melhora de colheitas, ao aperfeiçoamento do genocídio de grupos indígenas a pretexto de "emancipação" ou políticas de arrocho salarial, que converteram o Brasil no detentor do triste recorde de primeiro país no mundo em acidentes de trabalho, pois a propaganda pela segurança no trabalho emitida pelas agências oficiais não substitui o aumento salarial.

Folhetim: O senhor fala no discurso apolítico do acadêmico. Não há nenhum discurso político na Universidade?

Maurício: A separação entre fazer e pensar se constitui numa das doenças que caracteriza a delinqüência acadêmica. O falar é às vezes muito pra trás. Ao analisar a crise de consciência dos intelectuais americanos que deram o aval à escalada no Vietnã, Horwitz notara que a disposição que eles revelaram no planejamento do genocídio estava vinculada à sua formação, a sua capacidade de discutir meios sem nunca questionar os fins, a transformar os problemas políticos em problemas técnicos, a desprezar a consulta pública preferindo as soluções de gabinete, consumando o que definiríamos a traição dos intelectuais.

Folhetim: Como então combater o academicismo?

Maurício: Fundamentalmente, a realidade é dialética. A mesma realidade que cria o academicismo, que cria o saber oficial, que cria a ideologia oficial, que se esclerosa e se cristaliza através dos manuais oficiais e livros didáticos, essa mesma realidade cria também a contra-ideologia. Essa mesma realidade cria o seu oposto.

Folhetim:Qual a alternativa para que a Universidade deixe de ser, para usar palavras suas, um "depósito de alunos", ou um "cemitério de vivos"?

Maurício: A alternativa é a criação de canais de participação real de professores, estudantes e funcionários no meio universitário que se oponham à esclerose burocrática da instituição. A autogestão pedagógica teria o mérito de devolver à Universidade um sentido de existência, ou seja, um aprendizado baseado numa motivação de participação e não em decorar determinados "clichês" repetidos semestralmente nas provas que nada provam, nos exames que nada examinam, onde o aluno sai da universidade com a sensação de estar mais velho e apenas com um dado a mais: o diploma, que em si perde valor na medida em que perde sua raridade. A saída é a autogestão. Só que esta solução não se dá a nível interno da Universidade, sendo uma questão da sociedade global. Não se pode ter uma Escola pra frente com Estado pra trás.

Folhetim: Então, qual o poder da Universidade?

Maurício: A Universidade é o reflexo das contradições sociais, ela não as cria mas reflete.Pelo fato de ser um reflexo, o seu papel não é determinante no corpo social. Não é tendo o poder na Universidade que se tem o poder na sociedade global. Isso só pode ser um sonho de uma noite de verão, não é? O messianismo acadêmico é uma desgraça. Agora, na medida em que a Universidade reflete contradições, existem intelectuais críticos e intelectuais fascistas na Universidade em si, a questão do pensamento crítico na Universidade, não se resolve internamente e sim no plano político maior, no plano das relações de poder. Se no todo social há espaço para as contradições aparecerem, se o operário tem o direito de fazer greve, se ele tem direito de organizar o seu sindicato independente da burocracia do Estado e da política, então na Universidade há espaço para a luta. Embora a opção seja pessoal. Se não se juntar a grupos, a associações, a partidos, a ação será ineficiente. Só que as associações que se criaram neste País, os partidos políticos, como dizia o velho Oliveira Vianna, são associações públicas de direito privado, e a última eleição mostrou isso fundamentalmente. São meros clãs parentais, meros clãs feudais, meros grupos de pressão dos interesses econômicos. A formação de outros agrupamentos depende da dinâmica social e nem tanto do voluntarismo do segmento acadêmico que porque leu Marx, leu Weber, sai na rua e acha que vai formar o partido a, b ou c. Isso também é uma coisa típica do messianismo intelectual. Fundamentalmente, depende da dinâmica da organização dos trabalhadores industriais e burocráticos. Agora, apressar pode ser negativo, estar atrás também é negativo, mas estar muito a frente é mau porque fica na vanguarda sem retaguarda. Nós vimos o que foi 64: excesso de vanguarda sem retaguarda, quer dizer, muito chefe e pouco índio.

MAURÍCIO TRAGTENBERG

06 junho, 2007

What's up, doc?

Ontem tive a impressão de que Deus quis falar comigo. Não Lhe dei ouvidos! Afinal de contas, quem é Deus para falar comigo? Ele que cuide de seus problemas, pois eu cuido dos meus!

03 maio, 2007

A Miséria do Meio Estudantil (adaptado)

Pode-se dizer, sem grandes riscos de errar, que o estudante da UFSC é, depois do ufscão e do funcionário terceirizado, o ser mais universalmente desprezado. Os motivos por que ele é desprezado são, com freqüência, falsos motivos produzidos pela ideologia dominante. Já os motivos por que ele é efetivamente desprezível e desprezado do ponto de vista crítico são recalcados e dissimulados. No entanto, os partidários da falsa oposição sabem reconhecê-los, e reconhecer-se neles. Por isso, eles invertem esse desprezo real transformando-o numa admiração complacente. Assim, as organizações burocráticas decadentes (das stalinistas JA e UNE à anacrônica e formalista ordem DeMolay, passando pelo cooptador Partido Sectário Trotskista Utópico – PSTU) travam enciumadas batalhas pelo apoio “moral e material” dos estudantes.

Iremos mostrar as razões de tal interesse pelos estudantes e como elas participam positivamente da realidade dominante da sociedade, reproduzindo-a. O estudante desempenha um papel provisório, que o prepara para o papel definitivo que irá assumir, como elemento positivo e conservador, dentro do funcionamento do sistema capitalista. É apenas uma iniciação, e nada mais que isso.

Essa iniciação reencontra, magicamente, todas as características da iniciação mítica. Ela permanece inteiramente desconectada da realidade histórica, individual e social. O estudante é um ser dividido entre o status atual e o status futuro – nitidamente distintos –, cuja fronteira será cruzada de forma mecânica. Sua consciência esquizofrênica lhe dá condições de isolar-se numa “sociedade de iniciação”, ignorando seu futuro e encantando-se pela unidade mística que lhe é oferecida por um presente ao abrigo da história.

Numa época em que uma parcela crescente da juventude está se liberando cada vez mais dos preconceitos morais e da autoridade familiar para, cada vez mais depressa, fazer parte do mercado, o estudante se mantém, em todos os níveis, numa “menoridade prolongada”, irresponsável e dócil. Se a crise juvenil tardia o coloca de alguma forma em conflito com sua família, ele aceita sem problemas ser tratado como uma criança nas diversas instituições que regem a sua vida cotidiana. Quando não estão a cagar-lhe na cara, estão a mijar-lhe no rabo.

A colonização dos diversos setores da prática social encontra sempre no mundo estudantil sua mais gritante expressão. A transferência para os estudantes de toda má consciência social mascara a miséria e a servidão de todos.

Mas as razões que fundamentam o nosso desprezo pelo estudante são de outra ordem. Elas não se referem apenas à sua miséria real, mas também à sua complacência com relação a todas as misérias, sua propensão doentia a consumir alienação beatamente, nutrindo a esperança, face à falta de interesse geral, de chamar a atenção para a sua miséria particular. As exigências do capitalismo moderno fazem com que a maioria dos estudantes acabem conseguindo ser apenas pequenos funcionários, quando conseguem sê-lo. Diante do tão previsível caráter miserável desse futuro mais ou menos próximo que irá “indenizá-lo” pela vergonhosa miséria do presente, o estudante prefere voltar-se para o presente e orná-lo com prestígios ilusórios. A própria compensação é lamentável demais para que alguém se prenda a ela. Os amanhãs não cantarão, e ele fatalmente banhar-se-á na mediocridade. Eis porque ele se refugia num presente vivido de modo irreal.

Escravo estóico, o estudante acredita que quanto mais numerosas forem as cadeias de autoridade que o prendem, mais livre ele será. Como sua nova família, a universidade, ele se julga o mais “autônomo” ser social, sem se perceber atado, direta e conjuntamente, aos dois mais potentes sistemas de autoridade social: a família e o Estado. Ele é o filho bem agradecido e comportado de ambos. O que eram ilusões impostas aos empregados tornam-se ideologia interiorizada e veiculada pela massa dos futuros pequenos funcionários.

Se a miséria social antiga gerou os mais grandiosos sistemas de compensação da história – as religiões –, a miséria marginal estudantil só encontrou consolo nas mais desgastadas imagens da sociedade dominante, na repetição burlesca de todos os seus produtos alienados.

Recolhendo um pouco do prestígio em frangalhos da universidade, o estudante ainda se sente feliz por ser estudante. Tarde demais. O ensino mecânico e especializado que lhe é ministrado já se encontra tão profundamente degradado (em relação ao antigo nível da cultura geral burguesa) quanto seu próprio nível intelectual no momento em que ele tem acesso a esse ensino. Pela simples razão que a realidade que domina tudo isso, o sistema econômico, exige a fabricação maciça de estudantes incultos e incapazes de pensar. Que a universidade tenha se tornado uma organização – institucional – da ignorância, que a própria “alta cultura” se dissolva ao ritmo da produção em série dos professores, que todos esses professores sejam cretinos e que em sua maioria provocariam risos em qualquer público de liceu – isso o estudante ignora. E continua a ouvir respeitosamente seus mestres, com a vontade consciente de perder qualquer espírito crítico de modo a melhor comungar da ilusão mística de ter se tornado um “estudante”, alguém que está tratando seriamente de aprender um conhecimento sério, na esperança de que irá realmente receber o conhecimento das “derradeiras verdades”. Trata-se de uma menopausa do espírito. Tudo aquilo que hoje acontece nas salas das escolas e faculdades será, na futura sociedade revolucionária, condenado como barulho, socialmente nocivo. Desde já, o estudante provoca risos.

A universidade conseguiu julgar-se uma potência autônoma na época do capitalismo de livre troca e de seu Estado liberal, que lhe concedia uma certa liberdade marginal. Na realidade, ela dependia essencialmente das necessidades desse tipo de sociedade: fornecer cultura geral apropriada à minoria privilegiada que nela estudava antes de se integrar às fileiras das classe dirigente, da qual havia se ausentado apenas por um breve momento. Daí o ridículo desses professores nostálgicos, amargurados por terem trocado sua antiga função de cães de guarda dos futuros senhores pela função, bem menos nobre, de cães pastores conduzindo, segundo as necessidades planificadas do sistema econômico, levas de “colarinhos brancos” para seus respectivos escritórios e fábricas. São eles que opõem seus arcaísmos à tecnocratização da universidade e continuam imperturbáveis a recitar fragmentos de uma cultura dita geral para futuros especialistas que dela não saberão o que fazer.

Mais sérios e, portanto, mais perigosos são os modernistas de esquerda e da UNE, liderados pelos “ultras”da UJS, que reivindicam uma “reforma da estrutura da universidade”, uma “reinserção da universidade na vida social e econômica”, ou seja, a sua adaptação às necessidades do capitalismo moderno. De fornecedoras da “cultura geral” para uso das classes dirigentes, as diversas faculdades e escolas, ainda ornamentadas de prestígios anacrônicos, são transformadas em centros de criação apressada de pequenos e médios funcionários. Longe de contestar esse processo histórico que subordina diretamente um dos setores relativamente autônomos da vida social às exigências do sistema mercantil, nossos progressistas protestam contra os atrasos e deficiências a que ficam submetidos. São os partidários da futura universidade cibernetizada que já se anuncia aqui e ali. O sistema mercantil e seus servidores modernos: eis o inimigo.

Mas é normal que todo esse debate passe acima da cabeça do estudante, pelo céu de seus mestres, escapando-lhe inteiramente: o conjunto de sua vida e, com mais razão, da vida, escapa-lhe.

Por força da situação econômica de extrema pobreza, o estudante está condenado a um certo modo de sobrevivência pouquíssimo invejável. No entanto, sempre satisfeito consigo, ele erige a sua miséria trivial como um “estilo de vida” original: o miserabilismo e a boemia. Ora, a “boemia”, já longe de ser uma solução original, nunca será autenticamente vivida sem uma ruptura prévia completa e irreversível com o meio universitário. Seus partidários da boemia entre os estudantes (e todos se vangloriam de assim o serem de alguma forma) nada mais fazem a não ser se agarrarem a uma versão artificial e degradada daquilo que não passa, na melhor das hipóteses, de uma medíocre solução individual. São merecedores até mesmo do desprezo das velhas provincianas. Estes “originais” continuam a ter comportamentos erótico-amorosos dos mais tradicionais, reproduzindo as relações gerais da sociedade de classes em suas relações intersexuais. A aptidão do estudante para se tornar um militante de qualquer natureza atesta claramente a sua impotência. Dentro da margem de liberdade individual autorizada pelo espetáculo totalitário, e apesar da sua utilização de tempo, mais ou menos relaxada, os estudante ignora ainda a aventura preterindo-a por um espaço-tempo cotidiano estreito, dirigido em sua intenção pelas barreiras de proteção do mesmo espetáculo.

Ele próprio separa, sem a isso ser obrigado, o trabalho do lazer, enquanto proclama um desprezo hipócrita pelos “burros de carga” e “CDFs”. Ele ratifica todas as separações e em seguida vai gemer em diferentes “círculos” religiosos, esportivos, políticos ou sindicais, sobre o tema da não-comunicação. Ele é tão tolo e infeliz que chega ao cúmulo de se abrir espontaneamente e em massa ao controle parapolicial dos psiquiatras e psicólogos, implementando para seu uso pela vanguarda da opressão moderna; controle este, portanto, aplaudido pelos seus “representantes”, que vêem naturalmente nos Centros de Apoio Psicológico Universitário uma conquista indispensável e merecida.

Mas a miséria real da vida cotidiana estudantil encontra a sua compensação imediata, fantástica, naquilo que é o seu ópio principal: a mercadoria cultural. No espetáculo cultural, o estudante reencontra com naturalidade o seu lugar de discípulo respeitoso. Próximo do local da produção sem nunca a ele ter acesso – o santuário lhe será proibido – o estudante descobre a “cultura pós-moderna” na qualidade de espectador contemplativo. Numa época em que a arte morreu, ele continua sendo o principal fiel dos teatros e cinemas, bem como o mais ávido consumidor de seu cadáver congelado e difundido em celofane nos supermercados para as donas-de-casa da abundância. Ele participa disso sem nenhuma reserva, sem segundas intenções e sem distanciamento algum. Se os shoppings não existissem, o estudante os teria inventado. Ele confirma com perfeição as análises mais banais da sociologia norte-americana do marketing: consumo ostentatório, estabelecimento de uma diferenciação publicitária entre produtos idênticos em nulidade.

E basta que os “deuses” que produzem ou organizam o seu espetáculo entrem em cena, para ele mostrar que é seu público principal, o devoto ideal. Assim, ele assiste em massa às mais obscenas demonstrações de seus “deuses”. Quem mais, além dele, o estudante, lotaria os auditórios quando, por exemplo, sacerdotes de diferentes igrejas vêm expor publicamente seus diálogos intermináveis (semana do pensamento dito marxista, jornadas bolivarianas, semana do empreendedor blue man, working travel slavering experience conference).

Incapaz de sentir paixões reais, ele se delicia com polêmicas sem paixão entre os ícones da ininteligência a respeito de falsos problemas cuja função é disfarçar os verdadeiros: estruturalistas, ortodoxos, regulacionistas, neoclássicos, keynesianos, heterodoxos, pós-modernos, sistema-mundianos, dependentistas, ambientalistas.

Na sua aplicação, ele se considera de vanguarda porque assistiu ao último de Godard, comprou o último livro do Florestan, participou da “revolta da catraca”. Mais ainda se usava uma camisa do Che quando o fez. Ignorante, ele acredita serem novidades “revolucionárias”, garantidas por certificado, as piores versões de antigas pesquisas efetivamente importantes em seu tempo, edulcoradas para uso do mercado. A questão será sempre de preservar seu nível cultural. O estudante orgulha-se de comprar, como todo mundo, as reedições em livro de bolso de uma série de textos importantes e difíceis que a “cultura de massa” dissemina num ritmo acelerado. Só que ele não sabe ler. Ele se contenta em consumi-los com o olhar.

Sua leitura predileta continua sendo a imprensa especializada que rege o consumo delirante dos gadgets culturais. Docilmente ele aceita determinações publicitárias fazendo delas a referência padrão de seus gostos. Ele ainda delicia-se com a Folha, ou então acredita que Carta Capital, cujo estilo já é difícil demais para ele, é realmente uma revista “objetiva” que reflete a atualidade. Para aprofundar seus conhecimentos gerais, ele bebe na Caros Amigos, a revista para quem é de esquerda. É seguindo tais guias que ele acredita participar do mundo moderno e se iniciar na política.

Pois o estudante, mais que qualquer outro, se sente feliz por se considerar politizado. Só que ele ignora que participa disso através do mesmo espetáculo. Assim, ele se reapropria de todos os restos dos frangalhos ridículos de uma esquerda que foi aniquilada há mais de oitenta anos pelo reformismo “socialista” e pela contra-revolução stalinista. Isso ele ainda ignora, ao passo que o poder conhece bem claramente o fato e os trabalhadores têm dele um conhecimento confuso. Ele participa, com um orgulho cretino, das mais irrisórias manifestações que atraem ele próprio. A falsa consciência política é encontrada nele em seu estado mais puro, e o estudante constitui a base ideal para as manipulações fantasmagóricas das organizações moribundas (da UNE à JA e o PSTU). Estas proclamam totalitariamente suas opções políticas. Qualquer desvio ou veleidade de “independência” entra docilmente, após um simulacro de resistência, numa ordem que em momento algum foi colocada em questão. A única unidade entre todas essas pessoas reside na submissão incondicional aos seus mestres.

O estudante acha que deve ter idéias gerais sobre tudo, conceitos coerentes do mundo que dão um sentido à sua necessidade de agitação e de promiscuidade assexuada. Eis porque, manipulados pelas últimas febres das igrejas, ele se precipita sobre a mais velha das velharias para adorar a carcaça fétida de Deus e atar-se às migalhas decompostas das religiões pré-históricas, que ele acredita serem dignas dele e de seu tempo. Não é necessário frisar que o meio estudantil é, juntamente com o das senhoras idosas do interior, o setor onde se mantém o mais alto índice de prática religiosa, conservando-se como uma “terra de missões” ideal (ao passo que, nas demais, os missionários já foram devidamente devorados ou expulsos), na qual padres-estudantes continuam a sodomizar, às claras, milhares de estudantes em suas latrinas espirituais.

Da mesma forma, sua organização semi-libertária e não diretiva corre o risco de, a qualquer momento, por absoluta falta de conteúdo, recair na ideologia da “dinâmica de grupos” ou no mundo fechado das seitas. O consumo de drogas em massa é a expressão de uma miséria real e o protesto contra essa miséria real: é a busca enganosa de liberdade num mundo sem liberdade, a crítica religiosa de um mundo que já superou a religião. Não é por acaso que encontramos sobretudo nos meios beatniks (que é a direita dos jovens revoltados), lares da recusa ideológica e da aceitação das mais fantásticas superstições (zen, espiritismo, misticismo, santo daime e outras podridões como o humanismo ou o ecologismo).

Mas o estudante é um produto da sociedade moderna, tanto quanto Godard e a Coca-Cola. Sua extrema alienação só pode ser contestada pela contestação de toda a sociedade. Esta crítica não pode, de modo algum, ser feita no campo estudantil: o estudante, como tal, arroga-se um pseudo-valor que o impede de tomar consciência do quanto ele é um “despossuído” e, por causa disso, permanece no cúmulo da falsa consciência. A potência do capital atual reside no fato de que ele governa não apenas o mundo que ele produz, mas também os sonhos que as suas vítimas criam para escapar de seu reinado. Esses sonhos de hoje não passam, na realidade, dos pesadelos de amanhã. Pouco importa. O meio estudantil continua sendo seu maior alimentador. Os estudantes têm muito a aprender, com toda certeza, não com os professores, mas com os “marginais das cidades”, cuja lucidez é maior. Com ou sem os estudantes, o sistema dominante continuará a se construir contra todos. Eles podem optar por se tornarem cúmplices de seu próprio infortúnio. Mas devem pelo menos saber que não receberão nenhuma recompensa.

16 março, 2007

Ciclo vicioso

Tenho muito sono. E eu também trabalho. Acordar cedo para trabalhar me deixa com sono o dia todo. Não posso trabalhar com sono, senão eu não trabalho direito; sem trabalhar eu não ganho dinheiro e sem dinheiro eu não durmo tranqüilo e feliz. Para que eu possa trabalhar sem sono e com isso dormir (tranqüilo e feliz) eu tomo café. Tomo muito café, copos de 200ml a cada meia hora. Com café eu perco o sono e consigo trabalhar. Porém, café me dá gases. Muitos gases, a lot of gases. Sentado na frente do computador a coisa fica insuportável, a barriga incha, o sfíncter fica com cãimbra de tanto se manter contraído e eu não consigo me concentrar no trabalho. Ao mesmo tempo, não posso evacuar meus flatos no meio do escritório. Isso geraria situações desagradáveis e provavelmente com a repetição desta experiência eu perderia minha fonte de dinheiro, não podendo assim dormir tranqüilo e feliz. Com isso, vou seguidas vezes ao banheiro para, basicamente, evacuar gases. Muitas vezes é necessário fazer a posição de prece maometana para que eu dê a luz ao metano. Isso no chão do banheiro da empresa, imagine. Sentado feliz no trono, os gases fluem naturalmente para o exterior de minhas tripas, achando que estão acompanhados de fezes. As fezes nem sempre aparecem (só às fêzes hehehe), mas eu sempre me sento para que os gases fluam. É aí que mora o problema: ficar sentado cagando em bacios macios me dá sono. Muito sono! E qual o remédio pra isso? Café! Mais café, mais gases, mais banheiro, mais sono... A quantidade de café e gases que passa pela minha pessoa está aumentando exponencialmente a cada dia de trabalho. Logo Florianópolis estará tomada de flatos e café iguaçu extra-forte.

09 fevereiro, 2007

deus é...

Eu não tenho religião, mas acho que cada um tem que acreditar em alguma coisa, ter a sua concepção de uma força maior que nos ilumina, a minha tem uma buceta deliciosa, peitos naturais, uma bunda de quebrar a banca e atende no Bokarra sob a alcunha de Estela.

30 janeiro, 2007

Resignação uma pinóia!

Bom, estava na mesma praia e acabei encontrando a mesma velhinha que o colega Sabotador entrevistou. Porque não havia nada para fazer, resolvi ter uma pequena conversa com a idosa senhora:
- Velha, Deus existe?
- Sim, meu filho.
- Huahuahauhauah!!! Conta outra! Também vais dizer-me que é ele onipresente, onipotente e onisciente?
- Mas claro que sim. Assim está dito na Sagrada Escritura.
- E por que, então, Ele não usou de sua onipresença para intervir com os padres pedófilos, pederastas e pervertidos? (Atenção! Não é comunista, mas sim padre quem come criancinha!)
- Porque Ele nos concedeu uma coisa maravilhosa que é o livre-arbítrio. Mas no Juízo Final os pecadores serão condenados à danação eterna.
- E até lá beleza, tudo liberado!? Maravilha! Enquanto isso, tu segues confessando-te a esses padres?
- Sim, porque está escrito na Sagrada Escritura, em São Tiago: "Confessai-vos uns aos outros".
- Ah é? E por que, então, não te confessas a mim? Sou teu próximo também! Anda, confessa-te a mim!
- Não posso meu filho, isso é uma heresia. Tenho que cumprir os sacramentos da Igreja e confessar-me a um padre.
- Mas que tem ele de diferente? Não somos todos iguais perante Deus (há!)? Talvez de forma bem diversa, mas ele caga e ejacula como eu!
- Vá-te Satanás! Ai meu Deus! Perdoai-o, pois não sabe o que fala!
- Hahahaha! Vá-te tu! Siga beijando o bilau do teu padre!

Resignação

Dia desses caminhava pela praia e topei com uma velha. Era daquelas igrejeiras, carolas mesmo, de cabelo branco. Voltava, então, da missa e por isso a perguntei:
- Senhora, Deus existe?
- Mas claro que existe, meu filho! Ele está em todas as partes. E dirige tudo, olhando por todos nós.
- Mas se ele está em todos os lugares, por que a senhora freqüenta a igreja?
- Porque a Igreja é a casa do Senhor! Minha Nossa Senhora, que pergunta! Vou à Igreja para celebrar a Santa Missa, para redimir meus pecados confessando-me ao santo padre. Para ser, enfim, cristã.
- Mas se ele está em tudo, não bastaria rezar o Pai Nosso? Parece-me estranho ter que se reportar a um padre, um mediador entre os homens e Deus. Jesus não nos ensinou justamente o contrário com aquela oração?
- Meu filho, certas coisas entregamos na mão de Deus. O importante é seguir os sacramentos e freqüentar a Igreja.
- Bom, e sobre a Igreja? Como pode a senhora freqüentar uma instituição que por tanto tempo cometeu tantas atrocidades?
- Meu filho, o Santo Papa, vice-Deus na Terra, já pediu perdão pelos crimes cometidos no passado. Hoje a Igreja está edificando-se, cumprindo o seu sagrado destino.
- Mesmo, minha senhora, com os atuais escândalos de pedofilia?
- Ai Jesus! Não gosto de pensar nessas coisas. Certas coisas é melhor não compreender. Entrego nas mãos de Deus, que é onipotente, onipresente e onisciente.
(Sim, isso mesmo, minha senhora! Continue assim: Não pense e siga, é muito mais fácil.)

24 janeiro, 2007

Peru no Cu

Aquela ceia sendo preparada, aquele bando de retardado andando pela casa, fingindo estar descontraído e curtindo o "clima familiar", esperando unicamente a hora de atochar o cu com peru, lombo de porco, chester com aqueles cravos fdp, farofa... o suflê gozado, aquele clima de ódio na cara de quem trouxe os pratos "que são bem mais caros que os dos outros membros da família". Aquele inferno na cozinha, aquele monte de bebê cagando, chorando, quebrando a casa toda e aquele bando de véia dizendo "ai que coisa linda butchi-buuutchi". Vai tomar no olho do cu, filhote de sapiens bochechudo do inferno, careca, todo babado, ranho escorrendo, cheiro de diarréia, chocalho espalhado pelo chão. Daí vem o cachorro do dono da casa, aquela porra de boxer fedorento cheio de lama nas patas, pula em ti e você tem que dizer delicadamente, sorrindo: "Sai cão, blz?" Aquela "árvore de natal", um pinheiro tosco, nativo do hemisfério norte, cheio de bolas brilhantes, anjos de cerâmica e uma merda imitando neve. A noite é pra "celebrar a vida", mas o pinheiro já tá morto, sem seiva rodando, esperando uns 2 dias pra secar e ser jogado no terreno baldio ao lado. Ou pior, o pinheiro é de plástico. Prásteco. Na falta de um exemplar "de seiva e lenha", eles se dão ao trabalho de pegar os restos liquifeitos de dinossauros, há putos quilômetros abaixo da terra, refinar, processar, cortar, pintar e tentar finalmente imitar o formato da velha bosta de espécie do hemisfério norte, exportando-o logo depois da China para o Brasil. PUTA MERDA! Na varanda, pregado na parede, aquele jogo de fios e lâmpadas imitando uma estrela cadente com um metro de rabo. O orgasmo do anfitrião da casa ao mostrar as sete programações de pisca diferentes que a estrela tem. SETE! Com o preço de uma estrela dá para alimentar um etíope por 3 anos. Com o preço do pinheiro de prásteco + as bolinhas se alimenta uma tribo inteira. Aí vem a hora do culto. Eu não tenho religião, não acredito em "forças superiores", velha do saco, etc, prefiro ficar na varanda. Não quero atrapalhar nada nem me irritar de graça, respeito a ignorância de cada um. Mas não... A proposta de paz é logo atropelada pela avó da família, que está descontroladamente indignada pela "alienação religiosa" do neto. Ela senta ao meu lado, diz que isso seria uma falta de educação e pergunta se eu realmente não tenho religião. Eu repito que não. Ela fica indignadíssima, afinal é algo básico na vida de uma pessoa optar por uma religião. Qualquer uma segundo ela, "menos essas coisas de candomblé, macumba, etc". Depois dessa desisti e fui fingir que prestava atenção no culto deles. Um culto espírita. Um falando sobre a vida que o outro teve na outra encarnação. Pensamentos utópicos que eles vêem como uma verdade indiscutível... claro, cada um naquela merda de roda já deve ter morrido umas 340 vezes pra ter tanta certeza de como é que a coisa funciona. "Mas meu filho, cê precisa acreditá em alguma coisa!" Ah é? Quem precisa disso? Acreditando ou não todo bicho homem come igual, caga igual, dorme igual e trepa igual. Quer dizer, trepar não. As freiras não trepam, pelo menos em teoria. Já os coroinhas por sua vez aprendem a fazer um bola-gato bem cedo... é nisso que dá acreditar numa lenda inventada há 2 mil anos. Mas tá, hora do amigo secreto. Amigo secreto de R$ 1,99, pra ajudar a economia de Taiwan, afinal os trabalhadores de lá precisam receber seus 6 dólares de salário mensal. O amigo secreto de natal não é aquele amigo secreto normal, "amigável". Devido à pressa e à impossibilidade de todo mundo pegar seu amigo secreto dias antes, toda a porcariada de prásteco from Taiwan é colocada em cima de uma mesa e papéis numerados são distribuídos. Começando da pessoa que pegou o número 1, cada um levanta, escolhe um pacote e o abre na frente de todos. Seria perfeito se terminasse por aí, no máximo ainda se ao final as pessoas pudessem trocar seus lixos entre si, de forma amigável. Mas não. Como se trata de uma noite de "paz", "perdão" e "harmonia", tem que haver uma regra que dissemine ainda mais ódio e inveja nesse antro de hipocrisia. A pessoa que pega seu presente, após abrí-lo, pode trocar o mesmo com qualquer indivíduo de numeração mais baixa, independente da vontade deste último (de preferência alguém que tenha gostado bastante do presente que pegou). A cada troca de presentes o ódio aumenta e paira sobre a sala, disfarçado com sorrisos forçados e risadas nervosas. É o espírito de natal contagiando a família! Fui o último número e não quis sacanear ninguém. Peguei um batom, que era a última coisa que havia sobrado. Troquei com uma mulher desesperada que havia perdido sua "cesta de frutas" e ganho um "cachorro de borracha". O cachorro até era massa e o batom eu não faria muito uso (bloco dos sujos?), mas troquei mesmo pra deixar aquela débil-mental um pouco mais feliz... ok, e pra ela parar de berrar que queria trocar o cão. Após esse saudável exercício de cidadania, todo mundo foi encher o cu de farofa, peru, pernil, etc, etc, etc. O cachorro ganhou uma fatia de tender. Minha tia solteirona atacava as ameixas. Uma criança de parentesco desconhecido tentava subir na sua bicicleta nova. O trabalhador taiwanês vendia suas férias pra ganhar mais uns trocados. E todo mundo foi pra casa mais quieto, com sono, pança cheia, com aquele monte de fezes moles sendo desidratado no intestino grosso, rumo ao reto anal e à liberdade, pra no dia seguinte pela manhã ir por uma tubulação até o rio mais próximo e matar alguns cardumes de peixes com um tsunami de bosta.

Natal é uma beleza, prometi a mim mesmo que nunca mais participo dessa "comemoração". Alguém tá afim de subir o Jurepê em dezembro?