30 agosto, 2008

É meio duvidoso que tornar a propaganda política no Brasil mais divertida faça nascer a democracia. É fácil pensar num homem que "pensa pela própria razão", mas daí para ele tomar decisões políticas inteligentes é outr história. Para usa a expressão de Bauman, Política, com p grande, está fora de moda. O individualismo desconstruiu o saber político público. Talvez só nos reste, nestas bandas brasílicas, a diversão.


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Alegria & Política – por que não?

de Paulo Ghiraldelli Jr.

A idéia de que a TV é antes de tudo entretenimento não desaparece quando o assunto é política e eleições. Assim é nos Estados Unidos. A festa da democracia americana é também a festa do eleitor que, não raro, se diverte com os vários programas de política. Lá, ninguém está preocupado em fazer da política algo sério a ponto de ficar sisudo. Confia-se na maturidade do eleitor, tendo ele maturidade ou não. Esse é o princípio iluminista, posto de forma emblemática pelo filósofo Immanuel Kant – “pensar pela própria razão” é o que distingue o homem que “saiu da menoridade”.

A democracia é um regime para os que saíram da menoridade.

Quando nós, brasileiros, voltamos à democracia, em 1985, esse também era o espírito da nossa propaganda eleitoral. As eleições e a política em geral eram algo para a formação cívica, para a educação democrática. A política pela TV e pelo jornal impresso eram a “escola de adultos”. Todavia, continuavam a ser TV e jornal – antes de tudo, deveriam ser atrativos. O lema funcionava mais ou menos assim: se é para aparecer na TV, que seja no espírito televisivo. A imprensa escrita tinha outras possibilidades, mas não deixou também de seguir esse caminho.

Os grandes bonecos, as imagens entortadas, as imagens de comícios (reais) e os debates com pouca censura – tudo isso deu vida à política. Os jornais impressos passaram até a ter o “humorismo político” de volta. Ninguém votou “enganado” por conta disso. Ao contrario! Sendo mais atrativos, os programas políticos na TV estimulavam o eleitor a voltar a assisti-los e, a partir disso, ter mais vontade de conhecer os candidatos e partidos. Lembro bem como que os bonecões dos candidatos eram adorados por todos, e como que simulando debates se tornavam um ponto de atenção válido, chamando o homem comum para ficar diante da TV no horário eleitoral.

Mas, no Brasil, o que é criativo e bom dura pouco. Alguns entre nós acham que o Brasil não é sério, e ficam tentando tornar mais o sério o que não precisa disso. Todo mundo que quer fazer isso, deixa de ser sério, passa a ser a caricatura do sério, que é o sisudo, o chato. E nome da seriedade, fomos criando leis de coerção da propaganda eleitoral e política. Nada de bonecos, nada de distorção de imagem e som, nada de cenas externas, nada disso e nada daquilo. Deu no que deu: a propaganda eleitoral tornou-se insuportável. Às vezes penso que aquela propaganda eleitoral permitida no tempo do regime militar dava mais asas à imaginação e ao entretenimento que a atual. E tudo que dá asas à imaginação provoca a curiosidade e, no limite, se torna mais capaz de gerar mais informação – o que é fundamental na democracia.

A legislação que regra a atividade política na TV foi construída, nesses últimos vinte anos, ao sabor do prejuízo do partido alheio, e não em benefício do expectador e do eleitor. Cada peça de lei foi feita por um político para prejudicar o partido adversário. O resultado não foi a melhoria da política na TV, e sim o que aí está, temos uma democracia que, na TV, se tornou rapidamente um tédio. Tudo é feito para que o político, uma vez na TV, “apresente propostas” e “não faça show”, e o que temos é o show, só que de péssima qualidade, já que tudo é proibido.

A maioria dos países democráticos faz questão de apresentar na TV, na hora da política, o que há de melhor para se colocar na TV. Não se pode imaginar TV sem audiência. Todo tipo de jogo, brincadeira e coisa capaz de fazer a política se mostrar como uma parte do “mundo das celebridades” é algo bem visto nas grandes democracias do mundo ocidental. É claro que isso depende da cultura do país. Mas ninguém chega ao ponto da imbecilidade de nossa propaganda política, que se transformou em alguma coisa que expulsa o que é o principal na propaganda: aquele que assiste.

Não há motivos para o cerceamento que temos em nossa propaganda política. Uma vez liberada, nossa propaganda fortaleceria uma indústria de entretenimento voltada para a política, uma indústria lucrativa e geradora de empregos. Ao mesmo tempo, geraria um eleitor mais envolvido e mais sagaz. Pois é visível que na época dos bonecões imitando candidatos, na TV, nosso grau de informação era bem maior. E a população gosta disso. Tanto é que, na Internet, os sites de charges de política ou de pequenos “clips” com brincadeiras com a política são muito procurados. Tudo isso é colocado de lado. Justamente na TV, onde tudo é feito de modo a se ganhar dinheiro, na política o horário eleitoral é feito para se perder dinheiro e perder audiência. É algo realmente irracional.

Está na hora dos políticos não temerem os bonecões, as charges, a piada. Essa coisa de político se fingir de sisudo para impor respeito é algo que não casa com a voracidade com que alguns deles se dirigiram ao “mensalão”. Então, os políticos honestos deveriam fazer voltar à TV a sua capacidade de tornar a política alguma coisa que realmente ela é: algo vital para nossa vida democrática.

Se a política na TV se torna algo chato, não custa começarmos a acreditar que toda essa atividade é mero adorno, um tédio que não sabemos sua razão de existência. Ao contrário do que muitos imaginam, não temos a tendência de descartar algo por ele ser engraçado e divertido. Nem descartamos algo que é muito dolorido. O que é entediante é o primeiro candidato ao plano do descartável. E é isso que fizemos com nossa política na TV: ela parece ser descartável. Péssimo sinal.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, http://ghiraldelli.pro.br e http://paulo.ghiraldelli.pro.br

Os Outros - Neil Gaiman

"O tempo é fluido por aqui", disse o demônio.

Soube que era um demônio no momento em que o viu. Ele apenas sabia, assim como tinha consciência de que aquele local era o Inferno. Não havia outra possibilidade de existência para ambos.

A sala era longa, e o demônio o esperava próximo de um braseiro fumegante na ponta oposta. Uma miríade de objetos encontava-se pendurada nas paredes pétreas, sendo que não parecia inteligente ou tentador analisá-los com maior minúcia. O teto era baixo; o chão, estranhamente etéreo.

"Aproxime-se", disse o demônio, e ele obedeceu.

O demônio estava nu e inclinado. Possuía cicatrizes profundas, e sua pele parecia ter sido arrancada à força em algum ponto de seu passado distante. Não possuía orelhas, não possuía sexo. Seus lábios eram finos e austeros, e seus olhos eram verdadeiramente demoníacos: haviam visto demais e ido longe demais; sob seu olhar, o homem se sentia mais insignificante do que um verme.

"O que acontece agora?", perguntou.

"Agora," disse o demônio, em uma voz desprovida de angústia e regozijo, dona unicamente de uma resignação seca e aterrorizante, "você será torturado."

"Até quando?"

O demônio balançou a cabeça e permaneceu em silêncio. Andou devagar, rente à parede, examinando um dos instrumentos pendurados nela, e então outro. Na outra ponta da parede, próxima à porta, jazia um flagelo de nove pontas, feito de arame farpado gasto. O demônio o pegou com a sua mão de três dedos e retornou à outra ponta da sala, carregando-o reverentemente. Colocou as pontas do flagelo no braseiro, e observou-as enquanto começavam a esquentar.

"Isso é desumano."

"Sim."

As pontas do flagelo brilhavam em um laranja mórbido.

Enquanto levantava o braço para desferir o primeiro golpe, afirmou que "Na hora certa, você se recordará desse momento com ternura."

"Mentiroso."

"Não," disse o demônio, "A próxima etapa", explicava enquanto desferia a chicotada, "é pior."

As pontas do flagelo pousaram sobre as costas do homem com um estalo e um chiado, perfurando através das roupas caras, queimando, despedaçando e rasgando a cada golpe e, não pela última vez naquele lugar, arrancando gritos.

Havia duzentos e onze instrumentos nas paredes daquela sala, e era sua sina experimentar cada um deles.

Quando, finalmente, a Filha Lázara - a qual acabou por conhecer de forma íntima - fora limpa e posta na parede no ducentésimo décimo-primeiro suporte, o homem soluçou com seus lábios arruinados: "E agora?"

"Agora," disse o demônio, "a verdadeira dor começa."

E começou.

Cada ato que não deveria ter sido posto em prática. Cada mentira contada - para si, ou para outrem. Cada pequena ferida, e todas as grandes. Tudo fora arrancado de suas entranhas, detalhe por detalhe, lentamente. O demônio destruiu o manto do esquecimento, rasgando-o até a verdade se sobressair, e aquilo doeu mais do que tudo.

"Diga-me o que você sentiu enquanto ela saía pela porta," afirmava o demônio.

"Senti meu coração se estilhaçando."

"Não," afirmou o demônio, sem ódio, "diga-me a verdade."

"Senti alívio, pois a partir de então ela nunca saberia que eu transava com a irmã dela."

O demônio desmanchou a vida de sua vítima momento por momento, relembrando-a de todos os instantes desconfortáveis. Aquilo durou cem anos, talvez mil - ambos tinham todo o tempo do mundo naquela sala cinzenta - e, perto do fim, o homem concluiu que o demônio estava certo: a tortura física fora mais gentil.

E então, a tortura se encerrou.

E, no mesmo momento em que se encerrara, se iniciou novamente. Havia o sentimento de que a primeira vez jamais ocorrera, o que de alguma maneira tornava tudo muito pior em seus olhos.

A partir de então, a cada palavra balbuciada, o ódio do homem em relação a si mesmo aumentava. Não havia dentro de si lugar para mentiras, fugas ou qualquer outro elemento que não fosse a dor e a cólera.

E então, deixou as palavras correrem de sua boca. Parou de derramar lágrimas por elas. Quando decidiu parar, um milênio depois, rezou para que, naquele momento, o demônio se dirigisse à parede e escolhesse a faca de esfolar, ou a mordaça, ou até mesmo os parafusos.

"Mais uma vez," disse o demônio.

Era como descascar uma cebola - mais uma camada que ocultava a vítima era destruída. Desta vez, aprendeu sobre consequências. Aprendeu sobre os resultados daquilo que praticara; tomou consciência de coisas para as quais estava cego ao colocá-las em prática; as maneiras pelas quais tornou o mundo algo pior; os danos causados a pessoas que nunca conhecera, encontrara ou tinha consciência da existência. Fora a mais dura lição até então.

"Mais uma vez," repetiu o demônio, passados mil anos.

A vítima se ajoelhou no chão, em frente ao braseiro, contorcendo-se suavemente de olhos fechados enquanto contava a história de sua vida. Experimentava-a novamente assim que a recontava - do nascimento à morte, com uma fidelidade ímpar à verdade, sem se esquecer de nada e suportando cada momento. Seu coração se abriu.

Quando terminou, sentou-se de olhos fechados, esperando a voz demoníaca dizer "mais uma vez", mas nada aconteceu. Abriu os olhos.

Se levantou devagar. Estava sozinho.

Na outra ponta da sala, havia uma porta. Ela se abriu.

Um homem passou por ela. Havia terror em sua face, bem como arrogância e orgulho. Vestia roupas caras, e hesitou em dar os primeiros passos dentro da sala longa e cinzenta.

Então, compreendeu.

"O tempo é fluido por aqui", disse ao recém chegado.

19 agosto, 2008

"The Rat", por Charles Bukowski

Do livro "Mockingbird Wish Me Luck" (1972)
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(Recitado por Bukowski)

The rat.

with one punch, at the age of 16 and 1/2,
I knocked out my father,
a cruel shiny bastard with bad breath,
and I didn't go home for some time, only now and then
to try to get a dollar from
dear momma.

it was 1937 in Los Angeles and it was a hell of a
Vienna.

I ran with these older guys
but for them it was the same:
mostly breathing gasps of hard air
and robbing gas stations that didn't have any
money, and a few lucky among us
worked part-time as Western Union messenger
boys.

we slept in rented rooms that weren't rented
and we drank ale and wine
with the shades down
being quiet quiet
and then awakening the whole building
with a fistfight
breaking mirrors and chairs and lamps
and then running down the stairway
just before the police arrived
some of us soldiers of the future
running through the empty starving streets and alleys of
Los Angeles
and all of us
getting together later
in Pete's room
a small cube of space under a stairway, there we were,
packed in there
without women
without cigarettes
without anything to drink,
while the rich pawed away at their many
choices and the young girls let
them,
the same girls who spit at our shadows as we
walked past.

it was a hell of a
Vienna.

3 of us under that stairway
were killed in World War II.

another one is now manager of a mattress
company.

me? I'm 30 years older,
the town is 4 or 5 times as big
but just as rotten
and the girls still spit on my
shadow, another war is building for another
reason, and I can hardly get a job now
for the same reason I couldn't then:
I don't know anything, I can't do
anything.

sex? well, just the old ones knock on my door after
midnight. I can't sleep and they see the lights and are
curious.

the old ones. their husbands no longer want them,
their children are gone, and if they show me enough good
leg (the legs go last)
I go to bed with
them.

so the old women bring me love and I smoke their cigarettes
as they
talk talk talk
and then we go to bed again and
I bring them love
and they feel good and
talk
until the sun comes
up, then we
sleep.

it's a hell of a Paris.

07 agosto, 2008

Introdução para show de Banda Alternativa

Há muitos anos, me passou pela cabeça fazer versões de músiquinhas conhecidas. Essa surgiu em 2003 e não deixa de ser atualíssima, coisa clássica já. Com um tom punk rock, é perfeita para abertura shows do mesmo gênero. Não que eu goste de punk, mas a preguiça nos obriga a certas coisas.
Para quem não me conhece, acho que trarei coisas de música e literatura para serem chupadas aqui.

Guitarra Solo
Guitarra Base
Batera
Midi da Obra

Campanha vetada pela Anistia






As seções francesa e eslovaca da Anistia Internacional produziram a campanha publicitária acima. Mas em tempos de Olimpíadas não é de bom tom misturar tortura com "espírito olímpico" e a própria Anistia Internacional procurou vetar a campanha. A internet, contudo, facilita a circulação dessas coisas.

No entanto, atentem para a frase no canto inferior direito das fotos: "After the Olympic Games, the fight for human rights must go on". Engraçado isso. Pelo que aprendi em história clássica e pelo que li na Ilíada, àquela época os jogos serviam de armistício. Hoje a função de apaziguar atua de forma mais distorcida: durante os jogos não se interrompe a guerra, mas a luta pelos direitos humanos. Nas Olimpíadas só se pode celebrar a união entre as nações mediante a distribuição de tapa-olhos.